sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Pinheiro erguido, festas começadas

Já lá está, ao alto, imponente e grandioso, a pedir meças às torres de S. Gualter, o mastro que anuncia que a Academia Vimaranense está, por estes dias, em festa. O cortejo foi, como já se dizia em 1925, como de costume. E, como de costume, foi diferente, espontâneo, anárquico, algumas vezes desafinado, mas imensamente participado e grandioso. Muita gente, mas não como sempre, já que era muita mais do que num passado não tão distante assim, porque agora também são muitos mais os estudantes. Como sempre, comentava-se que, este ano, o pinheiro é mais pequeno. Como sempre, não sei dizer se o é, ou não, mas sei que os bois me pareceram menos do que o costume (longe vão os tempos das mais de duas dúzias de juntas a puxarem o tronco) e menos avantajados do que os de outrora. Mas tinham uns cornos magníficos, é verdade. O Pinheiro, cumprindo a sua função anunciadora do que está para acontecer, foi, verdadeiramente, uma festa* ruidosa e regada, que desafiou a noite fria, como manda a tradição. Agora, está nas mãos dos nossos estudantes fazerem com que os outros números do programa Nicolino tenham grandeza e participação à altura do acto preliminar.

*O Pinheiro é uma festa, meus senhores. Por que raio persistem em dar-lhe nome de funeral? Será por confundirem um pinheiro com uma gata qualquer?

O Egresso António do Sacrifício Pelo Divino Sustento

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

O monumento: memória descritiva

Para ampliar, tocar na imagem

Escultura Monumento ao Nicolino

Foi-me pedido pela Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães, para realizar um projecto para uma escultura que simbolizasse o "Nicolino", nome por que são conhecidos os estudantes, na cidade de Guimarães, e que, de certo modo, fosse, também, uma homenagem da própria cidade aos seus estudantes.

Assim, procurei criar uma forma simbólica (talvez sugerida pelo esvoaçar da "capa", que faz parte do traje académico), e que se integrasse no local que foi proposto para sua implantação, isto é, junto da igreja dos Santos Passos. Foi minha intenção criar uma forma muito simples, que se integrasse no local, dialogando, enquanto obra contemporânea, com o monumento religioso, ali existente.

Esta obra é para ser construída em chapa de aço inoxidável, sem quaisquer tipo de soldaduras visíveis e pintada com tinta epoxi de dois componentes.

Lisboa, 2 de Junho de 2000

José de Guimarães

Para saber mais sobre o monumento: AAELG - Velhos Nicolinos

Efemérides: Torre dos Almadas

Celebra-se hoje o 40º aniversário de entrega da Torre dos Almadas à Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães - Velhos Nicolinos. A 28 de Novembro de 1967 lavrou-se na Câmara o documento de entrega das chaves do dito edifício, cito na Rua da Rainha, sendo à altura Presidente da Associação o ilustre vimaranense António Faria Martins, recordado num dos vários retratos afixados nas paredes da dita sede.

A seu tempo voltarei a este edifício em artigo próprio.


Termo de Entrega da Chave da Torre dos Almadas
à Associação dos Antigos Estudantes do Liceu de Guimarães.


Frei Clemente de Santa Maria das Dores

Monumento ao Nicolino

Maquete do Monumento Nicolino, via AAELG-VN.

Está para breve a vinda do monumento Nicolino. Sabe-se, pelos jornais, que já está em fase final de preparação, estando, de momento, a ser pintado. Contrariamente ao que por aí se vem noticiando, soubemos, por fonte fidedigna que o monumento não será inaugurado durante as Festas Nicolinas deste ano devendo, no entanto, sê-lo ainda antes do final de 2007.

O monumento tem gerado polémica desde que os seus primeiros esboços vieram a público, alegando muitos que "não tem nada a ver", havendo até outros que a primeira reacção ao verem-no é a mui Nicolina expressão "'tá beber". Na dúvida, permaneço com a certeza de que as coisas mais grandiosas são sempre polémicas.

Grandioso é que não pôde ficar a capa vermelha esvoaçante que José Guimarães inicialmente pretendia, pois foi obrigado pelo IPPAR a reduzir as dimensões da mesma para que pudesse ser instalado no local desejado. Ainda assim, há a alegria que teremos um monumento bem reluzente, pois consta que foi última exigência do autor a instalação no local de dez focos para iluminar a sua obra.


Mais informação sobre o monumento poderá ser encontrada aqui.

***

Mas como amanhã se iniciam as Festas Nicolinas, não poderia aqui deixar passar em branco o facto. Deixo de seguida ligações para algumas notícias e textos publicados até hoje sobre as festas deste ano.

ACFN Festas Nicolinas: Made in ACFN
Blogminho: Nicolinas
Colina Sagrada: Nicolinas à porta
Guimarães Digital: Monumento ao Nicolino não está garantido na noite do Pinheiro
Tertúlia Nicolina: Comunicado da Comissão de Festas Nicolinas 2007

Frei Clemente de Santa Maria

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Do Bando

Sempre achei curiosas as vestimentas que os estudantes usam hoje durante as festas ao seu Santo. Uma delas é a que usam no Pregão alguns membros da Comissão. Pelo costume, aquele que irá recitar o Bando (que de há muitos anos a esta parte é um dos dez comissários) deverá envergar o traje dito de gala (batina, calça, colete e sapatos do traje "normal", camisa branca de bicos, luvas brancas) com um laço branco, e uma mascarilha da mesma cor. Segundo reza a tradição, a mascarilha, que também costuma ser usada pelo Presidente e pelo ponto (mas as destes em verde), serve que não se conheça a identidade de quem recita os versos. Pelo que muitos contam e defendem acerrimamente, terá sido essa máscara de especial utilidade nos tempos da outra senhora, quando o Pregão ia à vistoria ao reitor do liceu, em que alegadamente conteria impropérios contra a ordem vigente.

Ora, se assim era, por que raio é que vinha o nome do Pregoeiro e do autor do Bando escarrapachados em todas as cópias que se faziam do mesmo? Uma rápida incursão ao livro dos Pregões (que contém todos estes textos que sabemos chegados até nós desde 1817 até 1997) leva-nos a constatar isso mesmo: salvo raríssimas excepções, aparece sempre mencionado o nome de ambos os indivíduos.

Para quê, então, persistir em tão mirabolante explicação? Mais vale assumir que, à semelhança de quase todas as tradições que as festas assumiram como suas em 1895, também a mascarilha serve apenas para dar um ar romanesco a quem bota a faladura...


Frei Clemente, em Santa Maria das Dores inspirado

Uma irmandade para estudantes pobres

Nossa Senhora da Consolação, do respectivo Santuário, em Turim.

Por vezes fala-se numa escola da Colegiada como originária da tradição Nicolina em Guimarães. Procurando pela mesma, a primeira vez que encontro referências a algo que se possa assemelhar a uma escola na Colegiada é no século XVI, pelos mesmo anos em que se criou o colégio da Costa. E, curiosamente, a primeira referência encontrada sobre o assunto chama a atenção ao mestre-escola (já referido num outro artigo anterior) para o cumprimento das suas funções. Parte fundamental dessas funções era o ensinamento do cântico. Aliás, se o propósito de uma Colegiada era dar mais dignidade ao culto, tal passava, à época, sem dúvida alguma, pela boa execução dos cânticos. Isso parece ter sido bastante negligenciado por quem tinha essas funções a seu cargo, se formos a ver as advertências que a Colegiada teve do arcebispo…

No entanto, vamos tendo algumas referências de estudantes desta vila de Guimarães que pretendiam aqui prestar certo culto.

Vemos que, em 1594, os estudantes pobres (reforce-se, pois é importante termos este facto em consideração para melhor se interpretar o caso) pedem “pera louvor de Deos e serviço da senhora” que lhes deixem lá instalar uma Irmandade. De referir que vem reforçado por diversas vezes em diferentes documentos que a confraria se encontra instalada na capela “aonde o sagrado colegio da dita villa vai faser ho officio ao domingo de Ramos”. A irmandade sempre se criou no final desse ano, sendo a primeira conhecida dos estudantes de Guimarães.

Sobre a capela de Nossa Senhora da Consolação, diz-nos o Abade de Tagilde que foi criada no século XVI por um cavaleiro fidalgo, Balthazar Fernandes Sodré. O mesmo acrescenta que a “13 de Dezembro de 1594 se estabeleceu uma confraria de estudantes pobres que tomou a seu cargo o culto e a fábrica desta capela” (Abade de Tagilde, Guimarães e Santa Maria).

É curioso constatar que esta Nossa Senhora da Consolação era muito cultuada pela Ordem de Santo Agostinho, Ordem a que pertenceu o mosteiro de Santa Marinha da Costa até à primeira metade do século XVI.

Meio século mais tarde, em 1646, vemos refeitos os estatutos da mesma Irmandade, e deles desaparecidas as referências aos estudantes pobres que a criaram. Estamos em crer que daí se pode inferir que os estudantes dela se apartaram, talvez já na mira de um outro culto que estava a ganhar forma em Guimarães: o culto a S. Nicolau.

Assim sendo, concordo com o egresso António do Sacrifício pelo Divino Sustento. Na minha perspectiva de amateur, terá sido algures por esta altura que terão nascido as festas em honra do Senhor S. Nicolau. Aguardo agora por alguém que me contradiga.


Frei Clemente de Santa Maria das Dores

domingo, 25 de novembro de 2007

Efemérides Académicas (6)

20 de Setembro de 1793: Provisão nomeando professor substituto da escola primária, de ler, escrever, contas e catecismo, com o ordenado anual de 60$000 réis, na vila de Guimarães a António José de Abreu Guimarães, cadeira vaga por falecimento de João Baptista Monteiro.

13 de Julho de 1802: Provisão nomeando professor substituto de gramática latina, em Guimarães, a Francisco José de Oliveira, nos impedimentos do professor padre António Lobo de Sousa, que o indigitou no requerimento em que alegou ter moléstias e pelo longo tempo de ensino se achava impossibilitado.

8 de Abril de 1803: Sexta-feira santa. - Fez-se nesta vila, no sítio do Arco de S. Francisco, um riquíssimo e aparatoso Descimento da Cruz, com o qual se gastaram mais de 12 contos de réis, além de outras muitas despesas que algumas casas fizeram com algum figurado. Não consta que houvesse outro igual em Portugal, nem anterior, nem posterior. O grande monte elevava-se quase até ao cimo das carvalhas que lhe ficavam na retaguarda. Quase todos os telhados do terreiro de S. Francisco e parte dos da Rua de Couros foram improvisados terraços (balcões) - (Nota minha: Dizia-se que até as Beatas do Anjo fizeram um na torre do seu Recolhimento, pois nesse tempo as casas do terreiro de S. Francisco eram baixas, não excediam a muralha. J.L.F.) - para acomodar as famílias da terra como outras muitas que vieram de partes do reino, até mesmo de Lisboa. Foi uma das melhores funções religiosas que neste género se têm feito em Portugal. A guarda romana era toda de estudantes, e as figuras principais eram frades e padres, notando-se entre estes o padre Bernardo (Pinto) Rola (depois cónego), que representava a figura de S. João, que pela sua posição forçada de 3 horas quase estático se tornou um facto extraordinário e assombroso, a ponto de muitos dizerem que não era possível ser figura viva, mas sim de pasta. No ano seguinte, estudantes e rapazes de várias aulas quiseram também improvisar um outro em uma horta de uma casa da Rua Nova das Oliveiras, cujas despesas eram custeadas pelos pais dos mesmos e com tal incremento iam que, chegando ao conhecimento do prelado, este oficiou logo ao corregedor que imediatamente o suspendesse e fizesse arrasar.

[in Efemérides Vimaranenses, de João Lopes de Faria. Manuscrito da SMS.]

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Das origens remotas das festas a S. Nicolau

A Colegiada da Oliveira. Gravura pescada na Casa de Sarmento

“Muitos defendem que as festas em honra de S. Nicolau terão tido origem no colégio que existiu no século XVI no Mosteiro de Santa Marinha, na Costa. Novamente, sou céptico em relação a essa hipótese.”

Frei Clemente de Santa Maria das Dores

Tem razão Frei Clemente em ser cauto. Estou em crer que as festas a S. Nicolau devem ir um pouco mais lá para trás do século XVI. Na Idade Média europeia, S. Nicolau, Bispo de Myra, era objecto de grande culto, com celebrações de que têm sido salientadas as afinidades às velhas saturnais romanas.

Por essa Europa fora, S. Nicolau era celebrado pelos estudantes e meninos do coro das escolas das catedrais, em festividades muito populares, quase sempre marcadas por folias e desmandos que, pela sua natureza, não raro eram objecto de proibições decretadas pela hierarquia da Igreja. Em Espanha, onde não faltam testemunhos das festas do obispillo de San Nicolás, estes festejos têm grande tradição. Em muitos lugares, sobreviveram até aos tempos que correm.

O obispillo era um moço do coro (geralmente, o mais jovem dos cantores da catedral) que subia ao coro, com os seus companheiros como acólitos, onde celebrava missas burlescas e imitava chocarreiramente o verdadeiro prelado. Em Burgos, o obispillo envergava vestes episcopais. Montado numa mula e acompanhado pelos outros coreiros, investidos transitoriamente nas dignidades de cónegos da catedral, percorria as ruas da cidade, lançando benzeduras a eito, para divertimento de quantos assistiam a este cerimonial burlesco.

A procura da origem dos festejos a S. Nicolau de Guimarães ainda nos há-de conduzir, como na tradição do obispillo de nuestros hermanos, até às festas de loucos das Idade Média, nas quais se praticava a inversão da realidade, virando-se o Mundo às avessas. Também aqui havia uma igreja equiparada a sé catedral (a Igreja da Colegiada), com moços do coro e estudantes que, no dia de S. Nicolau, escolhiam um de entre eles para se vestir de bispo e andar a cavalo pelas ruas, “causando turvações na vila e muitas indecências”, como notaria o arcebispo D. Veríssimo de Lencastre, em Janeiro de 1675.

Ou seja: não deve ser preciso subir à Costa para escavar as raízes das Nicolinas. Estou certo de que podemos ficar pela Praça Maior.

O Egresso António do Sacrifício Pelo Divino Sustento

Os festejos a S. Nicolau em 1895

Na sexta-feira, cerca das 8 horas da noite, entrou nesta cidade o pinheiro anunciador dos tradicionais festejos escolares dos dias 5 e 6.

A entrada foi real.

O mastro, que mede uma porção de metros, era tirado por 26 juntas de bois, trazendo bandeiras encruzadas em todo o seu comprimento.

Precediam-no numerosos estudantes com zabumbas e tambores, que faziam um barulho ensurdecedor.

Atrás do pinheiro vinha uma banda de música, tocando o antigo hino escolástico, hinos que os velhos ouviam com vivíssima saudade, e não poucos com arroubos de se lançarem nos braços da mocidade estudiosa, zombando por alguns momentos da idade que lhes vai apontando diariamente o seu ocaso.

Guimarães associou-se aos festejos dos estudantes, vendo-se bastantes damas nas janelas e povo nas ruas.

Os estudantes têm ido todas as manhãs às novenas de Nossa Senhora da Conceição.

[O Comércio de Guimarães, n.º 1069, XII ano, 2 de Dezembro de 1895]


Os académicos vimaranenses continuam com os tradicionais festejos de S. Nicolau.

Ontem fizeram o magusto, andando depois as posses.

A alma popular expandiu-se com os rapazes, havendo fraternização geral.

Hoje há o bando, que nos dizem estar primorosamente escrito, ou ele não saísse da brilhante pena do distinto e talentoso advogado dr. Bráulio Caldas.

[O Comércio de Guimarães, n.º 1070, XII ano, 5 de Dezembro de 1895]


Se não atingiram o esplendor de outros tempos, os festejos de S. Nicolau em 1895 tomaram um vulto grandioso, que deixa prever a restauração dessa antiga festa da mocidade estudiosa.

O bando ia excelente, e Sampaio tirou todo o partido dele.

A entrada dos rapazes que vinham ofertar às damas vimaranenses as maçãs foi esplêndida, e não nos recordamos de outra igual.

Na oferta das maçãs gastaram os académicos algumas horas.

Todos eles vestiam muito bem, ostentando alguns costumes de muito gosto.

Houve alguns desarmes, mas não admira em quem não conhece as regras de equitação. Felizmente não houve novidade.

À noite houve cavalhadas e danças, que foram pouco apreciadas; as primeiras, por saírem muito tarde, e, as segundas, por mal se enxergarem.

No acreditado colégio de S. Nicolau houve iluminação, houve iluminação, música e fogo, estando muito povo a apreciar a última noite dos festejos de S. Nicolau, apesar do frio ser intensíssimo.

[O Comércio de Guimarães, n.º 1071, XII ano, 9 de Dezembro de 1895]

Nicolinas e Estudantes II

Muitos defendem que as festas em honra de S. Nicolau terão tido origem no colégio que existiu no século XVI no Mosteiro de Santa Marinha, na Costa. Novamente, sou céptico em relação a essa hipótese.

Os argumentos que normalmente surgem para a defender vão no sentido de Frei Diogo de Murça, o clérigo que veio dirigir o dito colégio, trouxe consigo para esta vila o culto a S. Nicolau, importado das terras longínquas por onde passou na sua formação. A criação desse estabelecimento de ensino dá-se em Penha-Longa em 1535 e dois anos depois é transferido para o mosteiro que os frades jerónimos mantinham nos arrabaldes da vila de Guimarães.

Frei Diogo regressara em 1533 dos seus estudos na Universidade de Lovaina, na Flandres, doutor em Teologia. Por lá privara com vários discípulos de Erasmo de Roterdão (que também nessa universidade leccionou, sendo ainda vivo quando Fr. Diogo lá esteve), tomando contacto com muitas das brilhantes mentes do Renascimento do norte da Europa.

Nicolau Clenardo, humanista flamengo, também formado em Lovaina, vindo para Portugal a convite de D. João III para por aqui transmitir o seu saber, deixou-nos algumas das palavras mais claras sobre o colégio da Costa, quando cá se dirigiu para conhecer o muito promissor Infante D. Duarte. Após um rasgado elogio a Fr. Diogo, fala-nos dos lentes: “Tem ele no mosteiro três lentes, todos portugueses. Conheceis já o Bordalo: este ensina ética logo depois do almoço e a física antes do meio dia; outro ensina a dialética; e o terceiro, sob cujas bandeiras milita um filho del-rei, de quatorze anos de idade, a retórica. Assisti às lições de todos eles, e quiseram-me parecer bastante desempoeirados no seu assunto”.

O quotidiano no colégio era duro, sendo muito rígido o horário de estudos e de oração, que ocupava todo o dia dos estudantes. Dá-se, no entanto, o curioso facto de, em 1542, pouco mais de um décimo dos alunos que frequentavam aquele estabelecimento de ensino serem monges. No ano seguinte, o falecimento precoce do príncipe D. Duarte termina com a principal fonte de rendimento do colégio, e isso, associado à falta de alunos em determinadas áreas, leva à sua extinção, ou melhor, à transferência do colégio para Coimbra. Tal deu-se em 1544, com a ida de D. Diogo de Murça, que lá veio a fundar o colégio de S. Bento, tido como a continuação deste que houvera em Guimarães.

Nada do que sabemos – pelo menos do que eu sei – da vida do colégio, leva a crer que o culto a S. Nicolau aqui tivesse sido instituído. Ainda que esse culto estivesse bastante difundido pela Europa e que fosse muito comum junto da comunidade universitária, não conheço referências à existência da sua prática por aqui. É possível, no entanto, que as tenha havido, que ias ideias Nicolinas tenham ficado impregnadas, com as humanistas, na mente daqueles que estudaram neste colégio. Mas resta a dúvida de como terão passado de tão rígido estabelecimento para a vila, e nela se enraizado. Julgo ser nesta suposição que se fundam aqueles que defendem a ideia de que as Nicolinas aqui tiveram origem. Eu fico-me pela posição mais segura da não certeza.



Frei Clemente de Santa Maria das Dores

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Os festejos a S. Nicolau em 1896

O PINHEIRO

Pelas 8 horas da noite de domingo último, deu entrada nesta cidade o clássico pinheiro, anunciador da festa dos estudantes ao seu patrono S. Nicolau. A rapaziada, alegre e entusiasta, rufando diabolicamente em tambores e zabumbas e empunhando archotes, formava um numeroso cortejo que, visto à distância, produzia um efeito deveras surpreendente.

Primorosamente adornado com bandeiras e arbustos, o pinheiro era tirado por 28 juntas de bois e acompanhado por uma banda de música, seguindo vagarosamente para o campo de D. Afonso Henriques, onde foi levantado no dia seguinte.


1.º DE DEZEMBRO

Récita de gala, dedicada à cidade de Guimarães, no teatro de D. Afonso Henriques, que estava muito bem adornado com bandeiras, flores, arbustos, colgaduras de damasco, lanças, tambores e emblemas académicos.

No átrio tocava uma banda de música.

O espectáculo principiou cerca das 9 horas abrindo com um discurso pelo académico Neves Pereira, que foi muito aplaudido,

Seguiu-se a comédia em 3 actos Mosquitos por cordas, desempenhada pelos académicos Neves Pereira, Alfredo Correia, Jerónimo Sampaio, António Amaral e pelas amadoras Ana Roriz e Cândida Guimarães.

Nos intervalos do 1.º, 2.º e 3.º actos recitaram poesias os srs. Francisco Martins Ferreira, António Francisco da Silva e Jerónimo Sampaio.

Terminou o espectáculo com a comédia em 1 acto Um fura-vidas, por Jerónimo Sampaio, Neves pereira, Alfredo Correia, Domingos Agra, António do Amaral e Ana Roriz.

O espectáculo agradou em geral, e prova esta asserção o grande número de aplausos e flores com que a selecta sociedade, que enchia literalmente o teatro, galardoou o trabalho dos briosos académicos.

A parte musical, a cargo do professor Sr. Paranhos, também foi executada magistralmente, e por este motivo foram justas as muitas palmas que recebeu.


NA SEXTA-FEIRA

Pelas 8 horas da noite os académicos em grande marcha aux flaumbeaux andaram às posses, e depois tiveram o divertido magusto.

[Povo de Guimarães, N.º 6, 1.º ano, Domingo, 6 de Dezembro de 1896]


O BANDO

Saiu no domingo, como estava anunciado.

A chuva impertinente que caiu durante a tarde não conseguiu arrefecer o entusiasmo dos briosos académicos.

Uns a cavalo em

"Lindas exibições, fantásticas folias

Que só em Guimarães as houve nestes dias."

Outros a pé, fazem

"Que as peles rufem bem, berrem com bizarria,

Retumbando no espaço um eco de alegria."

Num landeau tirado por duas magníficas parelhas, vinham o presidente da comissão dos festejos, que recitava o pregão, e o primeiro e segundo secretários.

Aquele dizia que

". . . . . . . . . . . . . . . .Estudantes não vergam

A cerviz, a quem quer que pretenda mandá-los,

Quer seja um Rei, quer mestre de badalos."

Ficámos cientes.


O CORTEJO ACADÉMICO

Na segunda-feira de tarde, saiu da Escola Industrial assim organizado:

À frente os indispensáveis tambores e zabumbas; seguiam-se três académicos montados em bons cavalos, um dos quais empunhava a bandeira da academia; a filarmónica União executava o hino académico, precedendo-a a dança das lavradeiras e picadores. Fechava o préstito o carro triunfal conduzindo sobre uma enorme esfera a figura de Minerva empunhando um facho.

Depois de percorrerem algumas ruas, recolheu-se cerca das 7 horas da tarde, excepto a dança que visitou as casas das principais famílias de Guimarães.

Na sala da nossa redacção estiveram às 11 e meia, demorando-se até à meia-noite.

O académico Sr. Jerónimo Sampaio, num brinde feito ao nosso director, agradeceu em nome da academia as palavras de deferência tem tido para com a mesma academia, e muito especialmente para com os académicos que tomaram parte nos festejos de S. Nicolau. Por último, foram levantados vivas calorosamente correspondidos pelo muito povo que ainda os acompanhava.

Pela nossa parte agradecemos e desejámos que para o ano os vossos folguedos venham novamente arrancar Guimarães à sua monotonia habitual.

[Povo de Guimarães, N.º 7, 1.º ano, Domingo, 13 de Dezembro de 1896]

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Do colégio da Costa

O Mosteiro da Costa em 1928, fotografia de "O Labor da Grei", editado por Francisco Martins (encontrada no Arquivo da Sociedade Martins Sarmento).

“Os religiosos de S. Jerónimo só passaram a ter estudos regulares dentro da Ordem após a criação, em 1535, do colégio do mosteiro de Penhalonga. Este fora instituído por D. João III, vivendo de rendimentos próprios. A respectiva direcção coube a Frei Diogo de Murça, regressado havia alguns anos de Lovaina, onde se doutorara em Teologia.

Em 1537, o rei decide mudar o colégio para o convento da Costa, para nele poder estudar o infante D. Duarte, seu filho natural, que lá se criava. O salário dos mestres e o mantimento dos alunos passou a ser pago pelas rendas do mosteiro de Refojos, de que era comendatário D. Duarte e administrador o já mencionado Fr. António de Lisboa. Mais tarde, a gestão dos rendimentos passou para o próprio Fr. Diogo de Murça. Numa carta datada de 8 de Novembro de 1542, este prelado dava conta a D. João III do seu entusiasmo, "pois se não pode fazer mais do que é feito, nem cuidei que entre frades de S. Jerónimo, que tão fora estavam de estudar, se pudesse introduzir exercício de letras da maneira que este procede" (A. Brásio, 1983, p. 309). Aliás, logo no primeiro ano em que o colégio esteve instalado na Costa, ele fora visitado por Clenardo que, numa das suas epístolas, diz ter assistido às lições dos mestres, "todos portugueses" e demonstrando ser "bastante desempoeirados no seu assunto" (idem, p. 310).

De acordo com o respectivo currículo, existiram na Costa duas séries de estudos: os preparatórios, constituídos pelas Humanidades e pelas Artes; e os de ensino superior, relacionados com Teologia. No dizer de António Brásio, "o plano de estudos adoptado na Costa deitava de lado… o trívio e o quadrívio e seguia o sistema pedagógico francês e dos Países-Baixos, de começar a vida académica por um período de vida humanística de espírito". É bem conhecido o funcionamento do ano lectivo, assim como o quotidiano dos escolares, mas não cabe aqui descrevê-los. Deve, no entanto, salientar-se que, desde 1539, foram conferidos graus em Artes e Teologia e que, por alvará de 6 de Julho de 1541, D. João III concedeu autorização para que aos estudantes da Costa pudessem ser atribuídos os graus de licenciado, bacharel e doutor em Artes. Estes ficavam equiparados aos da Universidade de Coimbra, considerando-se, assim, recompensados os esforços de Fr. Diogo de Murça e seus mais directos companheiros, como Inácio de Morais, António Caiado, Gaspar Bordalo, Marcos Romeiro, etc. Um relatório do ano seguinte indicava que frequentavam este colégio 70 estudantes de Gramática, 26 de Artes e 14 de Teologia.

Os momentos de euforia depressa se esvaneceram. Destes estudantes, só uma pequena percentagem eram monges, pelo que a rentabilidade para a Ordem era escassa. A morte precoce do infante D. Duarte, em Agosto de 1543, veio agudizar os problemas, pois, deixando a Costa de ser uma escola principesca, mais dificilmente beneficiaria dos favores régios. De facto, D. João III estava cada vez mais interessado em mudar o colégio para Coimbra, onde, segundo as suas palavras, "há estudo geral, e há muitos mestres e doutores em teologia e artes, de que podem aprender os ditos religiosos e grande exercício de letras, o que não podiam ter no dito mosteiro da Costa, tão interamente" (C. Santos, 1980, p. 60). Com a passagem de Fr. Diogo de Murça para Coimbra, em 1544, e a transferência das rendas do convento de Refojos, logo dois anos depois, acelera-se inesperadamente o processo de degradação. Em 1553, por fim, viria a dar-se a incorporação do Colégio de S. Jerónimo na própria Universidade.

A prestigiante passagem dos estudos universitários pelo convento de Santa Marinha da Costa é, ainda hoje, recordada por uma inscrição lapidar, embutida no exterior da capela-mor.”



Manuel Luís Real, "Santa Marinha da Costa: Notícia Histórica",
Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais N.º 130,
Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Lisboa, 1985.

domingo, 18 de novembro de 2007

Cartaz e programa 2007


Já está disponível o edital e o programa das Festas Nicolinas 2007.

Pela vigésima terceira vez consecutiva, o programa é da autoria de Ricardo Gonçalves, e podemos encontrar a sua versão definitiva aqui.

sábado, 17 de novembro de 2007

Efemérides Académicas (5)

7 de Janeiro de 1774: Carta régia criando em Guimarães uma cadeira de Latim e nomeando por 3 anos professor da mesma ao presbítero secular António Lobo de Sousa com o ordenado anual de 240$00 réis cobrado na folha dos professores da comarca e Câmara da vila de Guimarães. Esta cadeira, que, com alguma interrupção, funcionou até 1869 em que foi aposentado o seu último professor Francisco Pedro da Rocha Viana - o Venâncio, não se lhe tendo sucessão até à criação do Pequeno Seminário.

8 de Junho de 1780: Provisão nomeando professor interino da escola de ler, escrever e contar, em S. Romão de Arões, a António Gomes de Andrade, a qual estava vaga e ele desejava abrir a 3 de Julho no lugar da Venda onde residia.

11 de Setembro de 1783: Provisão autorizando por um ano o Veríssimo Francisco, de Moreira de Cónegos, a dar escola de ler, escrever e contar a quem com ele quisesse aprender.

14 de Maio de 1784: Provisão concedendo licença a Manuel José Esteves, de Santa Comba de Regilde, deste termo, para aí abrir uma escola de primeiras letras.

26 de Abril de 1792: Provisão nomeando professor de primeiras letras substituto Boaventura Ribeiro do Lago, para a escola de S. Martinho de Sande, vaga pela desistência que dela fez José Ribeiro do Lago.

[in Efemérides Vimaranenses, de João Lopes de Faria. Manuscrito da SMS.]

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Efemérides Académicas (4)

2 de Maio de 1694: Gualter de Nazareth e outros devotos, moradores na cidade do Porto, tendo alcançado licença do D. Prior para colocarem na igreja da Colegiada uma imagem do Senhor da Agonia, para o que tinham mandado fazer uma tribuna, requerendo ao dito D. Prior para que ele e os seus súbditos acompanhe na tarde deste dia a solene procissão em que a referida imagem, que vinha do Porto, era conduzida para a Colegiada e aí colocada no local (em que ainda está) com toda a pompa e aparato, para o que estavam convidadas todas as comunidades e irmandades da vila. O D. Prior despachou o requerimento, ordenando ao seu escrivão notificasse a todos os cónegos, padres capinhas e mais súbditos, que sob pena de 20 cruzados e 20 dias de cadeia, o acompanhem em corpo de comunidade na dita procissão. Esta ordem foi notificada ao Cabido pelo escrivão Dâmaso da Costa, às 7 horas da manhã; o Cabido em sessão às 2 horas da tarde requereu ao notário apostólico João Pinto, lhe tomasse protesto que só por devoção e serviço do Bom Jesus o ia buscar, sem que com isto fosse prejudicado todo o seu direito, nem pudesse alguém aproveitar-se de semelhante acto para encontrar a jurisdição dele Cabido, nem menos a respeito de S. Nicolau que trazia e estava pendente, pois também tinha dado as mesmas licenças o D. Prior aos supraditos devotos para a colocação da imagem. Seguiu-se uma apelação do Cabido para a relação de Braga, que por acórdão de 15 de Março de 1695, revogou o despacho, por a procissão não ser das do estatuto da Colegiada, nem daquelas que os prelados podem por direito obrigar os seus súbditos a acompanhar.

7 de Abril de 1740: Provisão concedendo ao padre Leandro de Castro, morador na Rua de Gatos, licença para continuar a ensinar gramática, que já ensinava há vinte anos, o que era de utilidade, pois os estudantes pobres não podiam ir para Braga e eram vigiados pelos pais; e foi ouvida a Câmara, nobreza e povo e ministros que informaram bem. - Lº 100 de D. João V, fl.22

1 de Novembro de 1755: Num pequeno folheto manuscrito de curiosidades, por um frade da Costa, pertencente que foi ao seu real mosteiro, lê-se: - Memorável será para todos os séculos o dia de todos os Santos do ano de 1755 pelo terramoto com que o céu atemorizou a todo Portugal, e grande perda de vidas, e fazenda, que houve em Lxª, e suas vizinhanças. Por todo o ano adiante continuaram, ainda que não com a violência e estrago do primeiro. Em todo o Reino se fizeram procissões de penitência. Em Guimarães saiu o Cabido descalço. Os estudantes saíram também com a imagem de N. Pe. (S. Jerónimo penitente) que nos vieram pedir para isso, que alguns Monges acompanharam e pregaram, em S. Dâmaso, donde saiu a procissão, à porta da Colegiada, no terreiro de Sta. Clara, no do Carmo, no da Misericórdia, no Toural, no das Dominicas, e outra vez no Toural, para a parte de S. Dâmaso, aonde se recolheu a procissão.

[in Efemérides Vimaranenses, de João Lopes de Faria. Manuscrito da SMS.]

As Nicolinas no National Geographic

"No final da festa, e por culpa do vigor dos participantes, os bombos ficam muitas vezes maltratados."


Festas Nicolinas numa fria noite de Novembro, o rufar ensurdecedor de milhares de bombos e caixas não deixa dúvidas: o "pinheiro" está em marcha! Pelas ruas de Guimarães, a turba move-se a toque de caixa, acompanhando o enorme pinheiro, puxado por uma junta de bois e enfeitado com fitas e lanternas de cores cálidas. Realizado a 29 de Novembro, o momento marca o início das Festas Nicolinas.

A mais antiga referência histórica a estas festas remonta a 1663 e há várias explicações para as suas raízes. A mais consensual aponta para uma representação simbólica da virilidade masculina. Tradicionalmente, apenas os homens integravam o cortejo. Embora hoje todos nele participem, a Comissão de Festas Nicolinas, com dez membros, continua a ser um reduto exclusivo dos rapazes.

Sinal do papel que têm na sociedade vimaranense, por toda a cidade se encontram à venda bombos e caixas. Na noite do Pinheiro, as peles tensas tingem-se muitas vezes de sangue das mãos, tal a violência do toque! Rui Macedo, presidente da Comissão em 2006 e 2007, explica: "É muito especial para nós organizar estas festas. Sentimos a responsabilidade de manter a tradição, é algo que vem de dentro." Os "velhos nicolinos" também estão presentes. Miguel Vieira, um antigo estudante, conta: "Em 1997, estava a viver em Moçambique e seria a primeira vez que iria falhar o Pinheiro... Não resisti. Meti-me num avião e nessa noite cá estive a tocar caixa até de madrugada!"

(Texto e fotografia de António Luís Campos, in National Geographic - Portugal, edição de Novembro de 2007)

sábado, 10 de novembro de 2007

As Nicolinas há meio século

"Quanto à geração nova, aqui há uns três anos, na ocasião da grande ceia no Jordão, a que compareceram uns trezentos velhos nicolinos, a Academia do Liceu foi representada por uma deputação de uns cinco ou seis rapazes.

Fiquei na mesa de cabeceira, na extremidade direita, e na mesa perpendicular estava essa deputação muito comprometida no meio da alegria barulhenta de toda aquela velhada.

Diante de cada conviva uma garrafa, destas de litro, com o belo verde, magnífico.

Os velhos e velhotes todos fizeram as honras da pinga, e cascaram-lhe quase como nos bons tempos, alguns até esgotaram a garrafa.

Pois aqueles cinco ou seis anjinhos andaram, entre todos, por garrafa e meia, ò resto foram águas das Pedras, sem se lembrarem de que há um milhão de portugueses que vive desse trabalho da colher e engarrafar aquela deliciosa pinga.

E no Pregão do ano passado o Torcato Simões, em versos braulianos, invocando as tradições nicolinas, apelava para o entusiasmo da rapaziada a cascar nos bombos com alma e músculo, de “maçanetas ao alto” até lhes arrebentar as peles.

Pois sim, assisti ao seguinte espectáculo: – dois garotitos, que nem estudantes eram; seguravam um bombo de barriga para o ar, e um grandalhão do Liceu ia-lhe dando umas maçanetadas bastante anémicas...

Bons tempos os do Brito, Beiçarola, Pai Casaca, Fortunato Sampaio, Rodolfo Aguiar e outros, que lhe puxavam com alma até lhes meter os tampos dentro, e até apagavam os candeeiros, de petróleo, da iluminação da Câmara.

E já não há o 1.° de Dezembro, porque os rapazes têm todo o tempo tomado, e a “Bola” não lhes dá ocasião para se divertirem..."

António de Quadros Flores (Coronel), Guimarães na última quadra do romantismo, 1898-1918, Tipografia Ideal, 1967, cap. XXIX, págs. 156-157.

Efemérides Académicas (3)

8 de Janeiro de 1675: O arcebispo D. Veríssimo de Lencastre por visitação à Colegiada e nos capítulos que dela deixou há o seguinte: "14.Mandamos ao sacristão desta sé e a qualquer pessoa que tiver jurisdição na sacristia com pena de excomunhão por si, nem interposta pessoa empreste alguma capa de asperges para os estudantes, ou outra qualquer pessoa andar a cavalo dia de S. Nicolau Bispo em companhia dos Escolares causando turvações na vila e muitas indecências à que convém por este meio atalhar."

23 de Fevereiro de 1675: O arcebispo D. Veríssimo de Lencastre assina em Guimarães os capítulos da visitação que havia feito à Colegiada de Guimarães em 8 de Janeiro, nos quais, entre outras coisas, ordena que o sacristão ou quem tiver jurisdição na sacristia" com pena de excomunhão per si, nem interposta pessoa, empreste alguma capa de asperges para os estudantes ou outra qualquer pessoa andar a cavalgar dia de S. Nicolau bispo em companhia dos escolares causando turbações na vila e muitas indecências a que convém por este meio atalhar."

5 de Dezembro de 1692: Tendo os confrades de S. Nicolau obtido despacho do D. Prior para instalarem irmandade e fazerem a festa do seu orado, e, estando principiadas as vésperas solenes, findo o 1º salmo os confrades e os novos irmãos levantaram a cruz da nova irmandade; tal solenidade e levantamento foi logo interrompido pelo cónego João Machado Miranda de Azevedo, procurador do cabido, que imediatamente intimou aos músicos da capela, que as estavam a cantar, e aos padres que as oficiavam, a não continuarem com a solenidade, o que se efectuou, aliás com grave escândalo para os fiéis. Tal proibição foi motivada em os ditos confrades não haverem também pedido licença ao cabido para a instalação da irmandade. Houve demanda nos juízos eclesiásticos de Guimarães e Braga, pelo promotor da justiça do D. Priorado.

[in Efemérides Vimaranenses, de João Lopes de Faria. Manuscrito da SMS.]

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

S. Nicolau (da vida e da lenda)

S. Nicolau nasceu no ano de 270 na cidade de Patara, uma das cidades mais populosas e prósperas da Lícia, nos prados de Anatólia (Sul da Turquia actual), na Ásia Menor.

Os seus pais eram cristãos devotos. Desde cedo, Nicolau deu mostras de predestinação. Quando foi baptizado, mal veio ao Mundo, ergueu-se, por si mesmo, para receber a água lustral. Recebeu uma educação esmerada. Ficou órfão ainda jovem, tendo recebido em herança bens de fortuna significativos, que decidiu consagrar a obras de caridade.

Nicolau andou em peregrinação pela Terra Santa e pelo Egipto. Após o seu regresso, o bispo de Myra (a actual cidade de Demre), seu tio, morreu, tendo sido nomeado seu sucessor. No ano de 303, Diocleciano pôs termo à liberdade religiosa, ordenando que em todo o império as igrejas fossem demolidas e os livros sagrados lançados ao fogo. Nicolau foi preso e enviado para o exílio. No ano de 313, o imperador Constantino restabeleceria a liberdade de culto.

S. Nicolau participou no primeiro concílio ecuménico da igreja, realizado em Niceia.

Antes da sua morte, S. Nicolau fez uma viagem a Roma, tendo-se detido, no caminho de regresso, na cidade de Bari, capital da Apúlia, na Itália Meridional. Viria a falecer no dia 6 de Dezembro de 343, tendo sido sepultado na sua cidade episcopal, Myra. No ano de 1087, os seus restos mortais foram roubados por mercadores italianos que os conduziram para Bari.

A vida de S. Nicolau e os seus actos estão envoltos em lendas que, na sua biografia, há muito se sobrepõem aos factos. A mais conhecida talvez seja aquela que narra a sua contribuição para salvar a honra de três irmãs atingidas pela pobreza, cujo pai não tinha com que as dotar com os meios que lhes permitiriam casar, vendo-se forçado a entregá-las à prostituição. Nicolau salvou-as de tal destino, atirando, de noite, três sacos com ouro suficiente para os dotes de cada uma das donzelas. Com o tempo, esta lenda iria alterar-se, tendo os três sacos de ouro tomado a forma de cabeças de crianças assassinadas, que Nicolau teria descoberto e devolvido à vida. Uma outra lenda fala de três príncipes que teriam sido condenados à morte e que se salvaram porque a sua inocência foi revelada por Nicolau ao imperador Constantino, a quem terá aparecido num sonho. Segundo outra tradição, Nicolau terá resgatado três marinheiros de uma tempestade, junto à costa da Turquia, milagre que explicará a sua condição de patrono dos marinheiros e de os todos os que viajam por mar.

Uma outra tradição refere-se três jovens que, tendo sido assassinados por um estalajadeiro, teriam sido ressuscitados por S. Nicolau. Num outro milagre, terá valido a uma criança que, certa noite, foi deixada sozinha em casa pelos pais e a quem o diabo terá estrangulado, depois de lhe ter aparecido, sob disfarce, pedindo pão. Mais uma vez, foi S. Nicolau que trouxe a criança de novo à vida. São lendas como estas que fazem de S. Nicolau o padroeiro das crianças, dos estudantes e dos solteiros.

Como protector das crianças, está na origem do costume de lhes oferecer presentes no dia da sua festividade (6 de Dezembro, data em que se celebra a sua morte), uso que ainda hoje se mantém, tendo sido transferido para o dia de Natal.


Notas coligidas pelo Egresso António do Sacrifício Pelo Divino Sustento

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

As Nicolinas há um século (II)

"Do S. Nicolau de há mais de meio século já deixei aqui uns traços de como o vi, no tempo em que “velhos” e novos o solenizavam, com estrondo, alegria, e graça; e entusiasmo de estudantes e população.

Essas foram as impressões mais nítidas, mas ainda ficaram uns episódios dispersos que já não posso localizar e que os meus contemporâneos procurarão recordar e enquadrar no ambiente em que se realizaram.

Um deles, e quase todos Os que vou relatar, se passou na récita do 1.° de Dezembro no velho, acolhedor e aconchegado teatro de D. Afonso Henriques, no Campo da Feira.

Saía a Academia com bandeira. Comissão das festas de capa e batina, laço verde de grandes fitas no ombro esquerdo, a música do João Inácio, e andava por essas ruas aos “vivas” às Damas vimaranenses, a João Pinto Ribeiro (coitado, morto há séculos), aos heróis e, é claro, à Academia vimaranense, e outros que tais, acompanhada de numerosa garotada e os imprescindíveis archotes, que davam um tom espectacular e fumarento e entusiasta a essa marcha da rapaziada.

Recolhia o cortejo e já o teatro se encontrava à cunha, camarotes, plateia, geral e “galinheiro”, e a Comissão com a bandeira, e o grupo que envergava capa e batina, faziam a sua entrada solene no palco para o discurso de abertura, pronunciado pelo Presidente.

Ora é preciso dizer que para estas ocasiões solenes os rapazes não estavam preparados com o sangue frio necessário para enfrentar o público, e procuravam ganhar coragem com uns copitos de jeropiga ali na loja do “Preto” ou no Zé da Rede; de modo que chegavam ao palco já um pouco “entusiasmados”, e um deles o Presidente, encarregado do discurso de apresentação, não sei se o Ferreira de Lemos, de Santo Tirso, se o “Pai Casaca”, entre o profundo silêncio do público, destraçando a capa, compondo a batina e pigarreando de circunstancia, adianta-se uns passos e começa, com pausa e todo o aprumo:

“1.° de Dezembro era o ano 1640 era o dia…”

E mais não disse, tal foi o trovão de aplausos, gritos, assobios, patadas e palmas que durante uns minutos acolheu este inesperado exórdio, que acabou com o descer do pano no meio da mais franca e ruidosa alegria/e a récita começou.

Havia nos intervalos umas recitações e monólogos cantados, como o do “Zabumba”, pelo Aníbal Carneiro, de que só lembro o estribilho:

Pum, catapum, catapum, pum, pum,

do zabumba eu tiro som...

E na ribalta o José Luciano Ferreira Augusto," sobrinho do Dr. José Luciano de Castro, muito grave, pausado e romântico,"de olheiras de rolha queimada, avançava uns passos comedidos e solenes, e em voz cava, olhos em alvo, a mão sobre o peito, profere só isto:

Olhos, vi uns

E, depois de os ver.

Não vi mais nenhuns...

Às vezes surgia de um camarote uma figura esguia, de capa e batina com gestos largos a declamar uma poesia alusiva ao: dia Solene.

E havia outros intermédios em que tomavam parte os mais afoitos e tinham bossa para o palco.

Mas; o acto principal era geralmente unia comédia, opereta ou zarzuela adaptada à ocasião e em que figuravam os rapazes com maiores aptidões para a cena, e de uma vez até uma actriz, a Cármen de Oliveira, da companhia de operetas que funcionava no barracão de S. Francisco, que acedeu gentilmente a tomar parte na récita do 1.° de Dezembro.

Do entrecho da comédia já não me recordo, mas tenho a lembrança de que a Cármen fazia o papel de uma gentil lavradeira, que o Fernando Chaves, armado em conquistador, queria arrastar para o pagode da cidade.

E então o Fernando com, uma bela voz de barítono, Cantava a ária da sedução:

Mariquinhas, meu amor

Bem feliz podias ser

Se comigo p'ra cidade

Tu quisesses ir viver.

E ela:

Eu não quero cá sombrinhas,

Nem de cetim os vestidos

Tenho em mais estas roupinhas

E depois o diálogo cantado:

Mariquinhas

Vá-s'embora

– Dás-m'um beijo ?

Não senhor.

A seguir o dueto:

Um só beijo

Só que seja

Um só beijo

E partirei

Nem um beijo,

Só que seja

Nem um beijo

Lhe darei

E salta lá detrás dos bastidores o Brito, que era o namorado da rapariga, armado de cacete e, se não valem ao Fernando, como era da peça, escaqueirava-o, e quero crer que o faria, tanto foi a genica com que arremeteu e a realidade com que quis desempenhar o seu papel.

Noutra récita o Aprígio fazia de rapariga, disfarçado, com uma cabeleira ruiva e; lá pelo correr da peça, dava-lhe um chilique.

Chamavam o médico, que era o Fernando, e aparecia de polainitos brancos, luneta presa a uma fita e suíças, a receitar-lhe umas gotas homeopáticas, que preparava na ocasião numa série de frascos de que tirava umas gotas para dissolver na água do seguinte, e assim sucessivamente numas “dinamizações”; como dizia o Fernando, que nessa ocasião era médico, mas homeopata.

E de nada mais me lembro dessas memoráveis récitas do 1.° de

Dezembro.

Das Danças, além das que recordei há anos, tenho ideia de duas, ambas da autoria do P.e Roriz, uma em. Que se falava dos malefícios do tabaco, sem contudo se referir ao cancro do pulmão, e a outra acerca da aliança inglesa, e naturalmente a propósito da estadia aqui dos ingleses que vieram montar a estação termoeléctrica do Campo da Feira, onde está agora uma das fábricas da casa Pimenta Machado.

E dessas danças só recordo o seguinte:

Misses loiras, lavradeiras,

Zé Povinho, lord inglês,

Brincadeiras fazem sempre

Neste ninho português."



António de Quadros Flores (Coronel), Guimarães na última quadra do romantismo, 1898-1918, Tipografia Ideal, 1967, cap. XXIX, págs. 153-156.