sábado, 8 de dezembro de 2007

Caiu a monarquia, tombou o pinheiro

A queda da monarquia e a instauração da República em Portugal levou a que as Nicolinas, vistas como um anacronismo, fossem objecto de alguma contestação (passageira), em parte também resultante de um acidente com o pinheiro, que tombou, quando tratavam de o erguer, matando um rapaz de 13 anos. Alguns dias depois, publicava-se no jornal Alvorada o seguinte texto, assinado por um ex-estudante:


À Academia Vimaranense

(Em especial à Comissão das chamadas “Festas de S. Nicolau”)


Briosos rapazes:

Um lamentável desastre nas vossas festas, no qual não tendes a culpa, é certo, mas de que estais, sem duvida, pesarosos como se a tivésseis, deve induzir vos a pensar no extermínio dessa coisa, que nenhum sentido faz, das Festas a S. Nicolau.

Raciocinando a sós e a frio, vós que podereis ser cábulas mas não sois estúpidos, compreendereis que tais Festas vão-se aguentando por um tour de force e que só as anima e vitaliza o vosso entusiasmo juvenil ou as olha boquiaberto e saudoso algum velhote, veneranda relíquia do tempo em que elas eram, pelo menos, uma exibição de costumes. Tais festas, porem, nem comemoram uma data importante da nossa história, nem consagram uma benemerência social, nem visam a acendrar o sentimento patriótico, nem sequer têm o mérito duma folga higiénica ou divertimento inofensivo.

Pelo contrario. Sob este ponto de vista, ficam muito aquém duma corrida de garranos ou da morte do galo. Servem apenas para catarrais e pneumonias, para alentar tuberculoses, para desassossego e perturbação do público, para partidas e pirraças que não esquecem, para desastres, enfim, como esse que sabemos. E depois hão de ser-vos sempre tolhidas, sempre aguadas, as tais festas, por mais exibicionistas e dançarinas que as planeeis. Sim, bem compreendeis, dias de festança e aulas a correr é uma alegria chocha, é uma alegria a meio pau!

Dias de arruado e chuva a potes de mandar ao diabo a patuscada!

É por isso que me apraz vir dizer-vos: Acabai com isso, que faz lembrar os batuques dos selvagens, que parece um trecho de sertão africano deslocado para um meio civilizado.

Desisti desse mal simulado Carnaval que tem sido um protesto arrastando-se com o rótulo pomposo de Festas a S. Nicolau.

Acabai com isso! Quereis associar o vosso nome a uma obra linda? Metei ombros à fundação duma Sociedade Académico – Filantrópica para auxiliar os vossos camaradas pobres. Pegai já nesse dinheiro que juntastes ou juntardes e seja ele o fulcro da nova empresa.

Depois fazei quetes, promovei saraus, dai espectáculos para obterdes fundos cada vez maiores. Adestrai-vos para o palco, para a recitação, para o discurso, para a música. Desenvolvereis assim aptidões latentes e, ajudando o camarada pobre, começareis a ser desde já um alto valor social. Isto sim, que é belo, que é altruísta, que é generoso, que é nobre e próprio de rapazes briosos e inteligentes! O que por aí exibis com o peguilho de Festas a S. Nicolau é uma pavorosa coisa, trabalhosa e inútil, que o vosso bom senso repele decerto, mas em que vos meteis porque já os outros se meteram e vós não quereis ficar atrás.

Não vos acanheis em repudiar essa herança.

Não perfilheis esse passado.

É uma glória reformar para bem.

Buscai essa glória, abolindo anacronismo e substituindo-lhe uma coisa moderna e linda — Trabalhar pela Filantrópica.

Tendes aí o bom Padre Roriz, todo entusiasta pelos progressos da sua terra e pelas generosas tentativas. Ele que, segundo é notório, vive agora arredado das lides políticas e jornalísticas, não se furtará de certo a cooperar convosco no lançamento e consolidação duma Sociedade Filantrópica Vimaranense com o fim de subsidiar estudantes pobres.

Buscai o seu auxílio, a sua direcção, o seu conselho. Organizai-vos em Grupo Dramático-Musical que representando, recitando, discursando, musiqueando quebre de onde a onde, a monotonia do viver vimaranense e seja como que o ganha-pão da incipiente sociedade.

Fazei convergir para Ela as energias, os entusiasmos, os sacrifícios que malbaratais ingloriamente e perigosamente do pinheiro, no zabumba, nas roubalheiras e estúrdias ao S. Nicolau.

Fosse eu estudante, que não descansaria enquanto não visse realizada a Sociedade Filantrópica Académica e canalizadas para ela as simpatias que os escolares parecem votar às absurdas Festas Nicolinas.

Guimarães 3-12-1910.

Um ex-estudante.

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