quarta-feira, 31 de outubro de 2007

O 1 de Novembro nas Nicolinas

A 1 de Novembro celebra-se o dia de Todos os Santos. É costume popular antecipar-se aquilo que deveria ocorrer a 2 de Novembro (o dia de Fiéis Defuntos), a ida ao cemitério prestar culto aos antepassados e queridos defuntos. A esta celebração não são alheios os estudantes vimaranenses.

É costume antigo deslocar-se a Comissão de Festas Nicolinas neste dia, em luto ao cemitério, para prestar homenagem aos Velhos já falecidos. Saindo manhã cedo do centro da cidade (normalmente da Torre dos Almadas), dirigem-se os estudantes à capela de S. Nicolau para "cumprimentar o Santo". À frente, levando o estandarte, parte o Primeiro Vogal da Academia, logo seguido do Presidente e restante Comissão por ordem hierárquica. Seguem em fila, com o traje em luto, silenciosos, pelas ruas da cidade em direcção à Atouguia. A acompanhá-los poderão estar outros estudantes, novos ou antigos, que com eles pretendam prestar homenagem.

Ao passarem pelas vendedoras no mercado (no velho), fazem os estudantes peditório de ramos de flores e velas. Carregados, seguem no mesmo cortejo até ao cemitério, onde se dirigem primeiramente à capela. De lá, visitam as campas de alguns Velhos notáveis. Entre outros, visitam-se as de Gomes Alves, Hélder Rocha, Jerónimo Sampaio, Emídio Guerreiro, Senhora Aninhas, entre muitas outras.

Terminada esta cerimónia, é tempo de ir tirar a barriga de misérias que o pequeno-almoço já foi há muito, para quem o tomou.

Há quem considere que a actividade propriamente dita da Comissão principia neste dia. De facto, é este o dia em que os estudantes pela primeira vez saem à rua para se mostrarem à cidade, apesar de ser costume irem avançados os peditórios a esta data. No entanto, não me parece a mim, fiel e defunto, que este seja dia de grandes folguedos, pelo que as festas, ou o "aquecimento" para as mesmas, começa daí a uns dias, com as Moinas. O dia exige sobriedade e respeito.


Frei Clemente de Santa Maria das Dores

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Festejos dos Estudantes da aula de latim de Guimarães denominados de S. Nicolau (II)

Continuámos a transcrever um testemunho publicado no jornal O Comércio de Guimarães, sobre as festas do estudantes a S. Nicolau na segunda metade do século XIX:

"Copiaremos dum jornal a origem deste costume antiquíssimos.

"No último quartel, talvez, do século passado, um cónego da I. e R. Colegiada legou aos rapazes coreiros em seu testamento uma renda, constando de certa medida de castanhas e maçãs, imposta numa sua quinta de Santo Estêvão de Urgezes.

Os coreiros iam ali todos os anos, no dia de S. Nicolau, recebê-la, vindo depois a cavalo e em hábitos de coro oferecê-la às pessoas mais gradas da terra.

Esta velha usança, depois de renhidas demandas e peripécias, passou para os estudantes de latim em Guimarães, que deram ao caso a aparência duma grande festa com cavalhadas, com mascarados, danças, pregão em verso, algum dos quais se deve à pena inspirada do mavioso poeta e distinto médico João Evangelista, exibições, serenatas, espectáculos teatrais, tudo anunciado pela bandeira escolástica, pomposa e solenemente içada na noite do dia 29 de Novembro no Campo do Toural, tendo lugar o resto e o mais ruidoso da festa nos dias 5 e 6 de Dezembro.

Era isto um privilégio tão exclusivo dos estudantes vimaranenses, que quem se atrevesse a violá-lo, embora pertencesse à classe mais distinta, era irremediavelmente mergulhado no tanque do antigo Chafariz do Toural.

No próximo número ofereceremos aos nossos amáveis leitores mais alguns apontamentos sobre estes festejos."

(O Comércio de Guimarães, Dezembro de 1906)
[continua]

domingo, 28 de outubro de 2007

As Nicolinas e a Comunicação Social

Como todos os vimaranenses sabem as Nicolinas são festividades de carácter único. A unicidade destes festejos começa na sua antiguidade e acaba no número de pessoas que acompanham as festividades. Podemos então dizer que quer a nível nacional quer a nível ibérico as Nicolinas seriam merecedoras de um natural destaque nos meios de comunicação social. Contudo a nossa comunicação social não entende isto, ou se entende não o demonstra.

Durante a época do Verão é comum vermos a nossa comunicação social a dar destaque a todas as procissões e romarias nacionais. Podemos por a hipótese de este destaque dado às romarias de Verão existir pelo simples facto de, nessa época, se viver a “silly season” mas talvez esta justificação não seja, por si só, válida. No dia 7 de Julho a imprensa portuguesa começa a dar destaque as espanholas Festas de San Fermin e continua, na última quarta-feira de Agosto, a sua senda por terras de Castela dando destaque à sexagenária Tomatina…

O “porquê” do desprezo que a comunicação social portuguesa dá às Nicolinas é, basicamente, incompreensível. Podíamos falar das 50000 pessoas da Tomatina mas temos como contraponto um número seguramente maior de participantes no Cortejo do Pinheiro, podíamos falar na antiguidade das Festas de San Fermin mas as Nicolinas não lhe ficam atrás…Porque será então que as nossas Festas ficam atrás das outras e são quase “escondidas” dos portugueses? Será pela sua antiguidade? Pelo seu carácter único? Pelo seu número de participantes?

Não sabemos…Mas aceitamos sugestões.


Frei Bento do Amor Divino Pelo Pecado Original

Festejos dos Estudantes da aula de latim de Guimarães denominados de S. Nicolau

S. Nicolau. Gravura da colecção da Sociedade Martins Sarmento.

Aqui se transcreve um testemunho publicado no jornal O Comércio de Guimarães, sobre as festas do estudantes a S. Nicolau na segunda metade do século XIX:

De tempos imemoráveis os estudantes desta cidade faziam uma função, que principiava por levantar-se um enorme pinheiro, no meio do campo do Toural, tendo uma bandeira no cimo com o quadro da Minerva.

Esse pinheiro dava de ordinário entrada pelas 7 ou 8 horas da noite, conduzidos dos arrabaldes da cidade, por seis ou sete juntas de bois, com muitos archotes e uma música, tocando o hino escolástico, indo na frente muitos estudantes, tocando tambores e zabumbas.

Até ao dia 6 de Dezembro (dia de S. Nicolau) desde o dia 30 de Novembro, ao romper da aurora, ia a caminho de Nossa Senhora da Conceição, às novenas, uma grande parte desses estudantes, também com tambores e Zabumbas.

No dia 5 de Dezembro, pela uma da madrugada, saía uma música, indo na frente os estudantes, que iam às posses, isto é, a certas casas, em que os recebiam dando-lhes umas uvas (rua de S. Dâmaso), outras figos e aguardente (casa do professor Venâncio e António Pereira da Silva) e outros doce e vinho tinto.

Muitas dessas pessoas que obsequiavam os estudantes já faleceram.

Na Cruz de Pedra, os oleiros davam o mato para o magusto que se fazia no largo do Toural, distribuindo-se as castanhas e o vinho da Comissão pelos músicos e homens que traziam o mato, sendo defeso aos estudantes partilhar deste magusto, pois, como diziam os Padres Abreu e Vinhós, quando algum lhe aparecia, o magusto desta noite não era dos estudantes propriamente dito. O destes era em Santo Estêvão de Urgezes, na manhã do dia 6.

Assim se passava a noite do dia 4 e madrugada do dia 5 em continua algazarra e alegria, havendo sempre mais ou menos a sua desordem, que terminava sempre em coisa alguma.

Pelas duas horas da tarde do dia 5 de Dezembro saía o bando escolástico, com mascarados tocando tambores e zabumbas, organizado com diferentes carros alegóricos, com um estudante vestido de Guimarães, outro de Minerva, etc, etc.

Então, um estudante, a quem era expressamente vedado assistir ao magusto da noitada, recitava o bando em verso, feito sempre por um dos melhores poetas desta cidade, distribuindo-o um outro estudante pelo povo, devidamente impresso, em que anunciava as danças, cavalhadas e exibições do dia 6, declarando que aquela festa era só exclusiva dos estudantes, e ai do que se metesse no festejo, não pertencendo à classe!...

Um ano, um indivíduo de alcunha o "Maneta", ousou entrar mascarado nela. Os estudantes, quando o reconheceram, bateram-lhe tanto, que lhe quebraram um braço, julgando que o deixaram morto.

Outros pagaram com um banho no chafariz do Toural o atrevimento de tomarem parte nestes festejos...

Posto o bando na rua, a primeira casa onde se recitava, era a do administrador, como sinal de respeito e permissão para ele prosseguir, e assim corria as ruas da cidade até às 10 horas da noite.

No dia 6, pelo meio-dia, vinham os estudantes da freguesia de Santo Estêvão, para onde tinham ido, uns a cavalo, outros de carro, para tomarem conta da renda.

Todos ali, numa eira completamente varrida pelo estudante mais novo, recebiam da Comissão castanhas, vinho e maçãs, pois era este o verdadeiro magusto dos estudantes.

No dia 6, era depois do magusto, em Santo Estêvão, a distribuição das maçãs e castanhas às damas de Guimarães, vindo os estudantes a cavalo, trazendo lanças enfeitadas com laços de seda, estes os mais pequenos, e a Comissão e outros estudantes mais taludos, em carros. Esta distribuição fazia-se pelo meio-dia, e terminava às duas horas da tarde.

Logo que chegavam ao Toural, a primeira coisa que faziam era dar meia volta em redor do pinheiro, como homenagem à deusa da Ciência.

Em seguida, dispersavam, indo todos ou quase todos ao Convento de Santa Clara, hoje seminário, levar as maçãs às freiras, que as recebiam, fazendo troca com doces que lhes enviavam das suas celas em cestinhas presas por fitas de cor.

Às duas horas da tarde saíam as danças: uma, a dos pequenos estudantes, outra, a dos grandes.

Muitos anos foi o Fatinho (uma santa criatura) o seu ensaiador.

Que paciência ele não tinha para isto!

Em antes uns oito dias ia ele e o Padre Vinhós ou o Padre Abreu à aula de latim, pedir ao Venâncio dispensa do estudo para as festas.

Mal entravam, isso sucedia quase sempre de tarde, todos os estudantes principiavam a fazer-lhes acenos, para que fossem enérgicos no pedido.

Venâncio, porém, imperturbável e frio, da sua cadeira, não prestava a menor atenção aos embaixadores.

Afinal, quando estes eram próximos da magistral cadeira, perguntava-lhes: que temos?

- Eles, a sorrir respondiam, pedem-se férias e já hoje se tem de fazer a escolha dos rapazes para as danças.

- Ainda é muito cedo, continue dizendo a lição, snr....

-Nada, nada. O feriado é hoje preciso, porque se têm de escolher roupas, etc.

- Isto há-de acabar um dia, dizia o Venâncio. Os rapazes precisam de estudar.

Vá por este ano.

Tudo debandava para as varandas dos claustros de S. Francisco, fazendo uma algazarra medonha.

Vinhós, Padre Abreu e Fatinhos talhavam, e o S. Carlos, que era o director das obras do hospital, ou o pai dos snrs. Abreus, faziam a polícia de sarrafo em punho.

Berravam, ameaçavam, mas riam-se ao mesmo tempo.

Que saudades não sentimos por essa época de verdadeira e única felicidade!

Ser estudante de latim nesse tempo, parece que constituía a prerrogativa mais nobre dos rapazes de Guimarães.

Hoje, que há verdadeiros estudantes, e verdadeiros académicos, pois que passam por provas de exames, que os habilitam a um dia ocuparem na sociedade cargos importantes, vê-se ainda muita indiferença, senão até frieza.

Pois estes festejos, tradicionais e próprios de Guimarães, têm toda a razão de ser.

Diferentemente, sim, é certo, mas Coimbra, Lisboa e Porto, também um dia no ano presenciam as expansões académicas.

(O Comércio de Guimarães, Dezembro de 1906)
[continua]

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Martins de Aldão

São hoje as cerimónias fúnebres de um Homem a quem muito devem as Nicolinas. João Maria Rodrigues Martins da Costa Aldão, há mais anos do que aqueles que lembramos, oferece a árvore para o Pinheiro. Uma data triste para todos os Nicolinos.

Hoje, a Academia está de luto.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Filinto Elísio

Vemos nos Estudantes em geral, em especial (hoje em dia) nos do ensino superior, uma curiosa Tradição: a do brinde. Sempre que a ocasião o propicia (ou seja, quando a vontade assim o ditar), fazem-no, entoando uns cânticos.
Ora, nisto não são os Nicolinos excepção; também eles alimentam este hábito. Embora o façam – claro! – de uma forma diferente dos estudantes de Coimbra (que “pegaram” o seu costume a outros). Quando decidem fazer um brinde, fazem-no evocando um dos maiores poetas portugueses do século XVIII, que ficou para a História conhecido por Filinto Elísio.

Reza assim o brinde:

Filinto Elísio da velha França
Enchei-me a pança deste licor
Que pena eu tenho que as minhas tripas
Já não suportem mais cem mil pipas

Ora, quem foi afinal Filinto Elísio, para ser evocado e lembrado pelos Estudantes vimaranenses?

Diz-nos Natália Correia, na sua Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (Antígona e Frenesi, Lisboa, 1999) o seguinte:

«Francisco Manuel do Nascimento, nasceu em Lisboa em 1734. Tomou ordens sagradas e foi professor de latinidade de D. Leonor de Almeida, depois marquesa de Alorna, ao tempo recolhida no Convento de Chelas por ordem do marquês de Pombal, dela recebendo o pseudónimo arcádico por que ficou a ser conhecido, e que trocou pelo nome de Niceno, adoptado quando da sua ligação com o Grupo da Ribeira das Naus, adversário da Arcádia Lusitana.
Imbuído do iluminismo francês, a queda de Pombal forçou-o a procurar exílio em França para fugir à Inquisição, em resultado de uma denúncia apresentada pelo padre José Manuel de Leiva, em 1758, mas em cuja origem estaria o marquês de Alorna, a quem repugnava a intimidade do poeta com as filhas D. Maria (Daphne) e D. Leonor (Alcipe).
Em Paris, onde morreu em 1819 e editou as suas Obras Completas, defrontou-se com a miséria e a doença, inspirando o seu infortúnio a Lamartine um poema em que o chama “divino Manuel”.
Defensor da poética horaciana, o postulado de um rigor formalista que faz dele o expoente do estilo arcádico, suscitou a escola filintista em oposição à fluidez palpitante de elmanismo que rompia a via láctea do Romantismo. Não obstante esta divergência estética, Bocage rende-se à preponderância que o Árcade exerceu nos poetas da época, orgulhando-se, num soneto, de “Filinto, o grão cantor” ter prezado os seus versos.
Dominado pela paixão da pureza linguística, satirizou os introdutores de estrangeirismos numa composição intitulada “O Debique”. Também se não furtou aos apelos da poesia libertina, observando assim a tradição clássica que lhe vigiava o engenho. (…)»

Camilo Castelo Branco escreveu-lhe também uma biografia, que aqui também reproduzimos (conforme constante no vol. XIII das Obras Completas de Camilo Castelo Branco, Lello & Irmão Editores, Porto 1991, pp. 645-647).

«O padre Francisco Manuel do Nascimento, a quem a marquesa de Alorna, dulcificando-lhe a crisma poética, chamava o seu Filinto, exclamava em Paris:

Feliz quem rumas de calções possui!
(Calções, digo, nem rotos, nem surados).
O santo Job, chagado na esterqueira,
Calções não precisava
Mas eu… Não digo mais. –Passem dois dias,
Não saio. – E, se eu sair, na rua, a gente
Me corre às apupadas, e os garotos
Me enxovalham com lama.
Dois calções, cujas eras me não lembram,
Sobrepondo fundilhos a fundilhos,
Não sofrem ponto sem rasgar-se o pano,
Que lhes clamou concerto.
Feliz quem tem calções!...

Ele tinha-os rotos, surrados e incorrigíveis, o grande poeta. Diz que tiritava. Deus, contra o seu costume, dera-lhe mais frio que roupa. A Inquisição de Lisboa quisera aquecê-lo deveras; e ele fugira para o Havre, com um gigo de laranjas às costas como qualquer mariola, podendo figurar no Rossio com a majestade fúnebre de Savonarola e João de Leyde.
Muita gente mais inimiga da Inquisição do que instruída na sua história, e mais adversa ao clero que lida nos processos do tribunal da fé, persuade-se que o Santo Ofício não queimava padres, nem frades, nem freiras, nem cónegos, nem fidalgos. Cuidam que as suas achas alcatroadas só se acendia para carbonizar judeus e judias. Fazem esta injustiça à mais recta e imparcial das instituições humanas.
Eu, no meu escasso arquivo de processos da Inquisição, possuo mais de seis dúzias de sentenças que condenam padres a degredo, a açoutes, a galés e ao fogo.
Uns eram priores, outros missionários da Companhia de Jesus, alguns de mosteiros reformadíssimos, e muitos simples clérigos da Ordem de S. Pedro – patrono que é de crer lhes abrisse as portas do Céu para se vingar da Ordem de S. Domingos.
O padre Francisco Manuel era desta Ordem; mas, em vez de recorrer a S. Pedro, valeu-se do negociante Verdier que lhe deu escape, quando os ebirros o farejavam, e lhe negociou passagem a bordo de um navio holandês.
Este padre esquivou-se à fama que lhe cingiria a fronte com imorredoira auréola, se se deixasse queimar como o frade capucho Diogo da Assunção, de Ponte de Lima (1603), que os hebreus adoram no martirológio dos seus santos; não invejaria a constância luterana do padre jesuíta Mateus Francisco, queimado em Goa, em 1664; morreria, saudando a ideia nova como o padre José de Sequeira, queimado em 1745, em Lisboa; enfim, na galeria dos padres dados ao Diabo e à carne, o seu nome estaria entre o do confessor da Igreja dos Mártires, Francisco Henriques, e o do padre Bartolomeu de Góis, cura de S. Paulo, queimado no Rossio em 1621.
Não, senhores: o padre Francisco Manuel do Nascimento antes quis andar-se de Paris para Amsterdão e de Amsterdão para Paris, a tremer de frio, a mendigar ovos-moles a toda a gente, e a gemer em versos espinhosos como dorso de javali arranhado:

Feliz quem tem calções!

E assim arrastou, escura, rota e faminta, uma vida de oitenta e cinco anos, premiada entre dois terrores e dois ódios implacáveis: ao galicismo e à Inquisição.
Era tanto o seu amor à língua pátria que refloriu todas as obscenidades lusitanas da Rua da Madragoa nos seus Contos. Coçava a epiderme calosa dos setenta anos com a escumalha refugada das forjas dos dicionaristas. Os dominicanos bem sabiam porque desejavam queimá-lo. Eles pressagiavam que, transcorrido um século, viria, em seguida aos gafanhotos do Alentejo, uma revoada de rouxinóis, que aprenderam a trilar os seus cantares libertinos nas frases do clássico Filinto, de quem rejeitaram as graças portuguesas, sendo certo que não há pensamento de torpeza moderna que desquadre no feitio que lhe dava o clássico.
Lamartine cantou-o na Meditação XV, e, no comentário à meditação, dá-nos a novidade de que o padre tinha consigo uma bonita freira em Paris, quando orçava pelos oitenta anos.
Une jeune reiligeuse, d’une beauté touchante, et d’un dévouement absolu, s’était attachée d’enthousiasme à l’exil et à la misère du poète.
Isto é uma calúnia. Pobre velho, a deitar freira, não podendo deitar calções!
Lamartine, como se estivesse em hora de patarata, com aqueles ares de poseur muito seus, acrescenta que Filinto Elísio lhe ensinara a língua portuguesa.
Ora é de notar que Francisco Manuel, trasladando nas suas obras a ode de Lamartine, trata com desdém o poeta para ele desconhecido, e mostra-se nada lisonjeado com os encarecidos gabos dum sujeito que ainda não tinha nome.
Certo, não procederia assim se Lamartine fosse seu discípulo.»

É então este o homem que os Nicolinos cantam: um padre pouco celibatário, por certo também pouco dado à sobriedade que a vida sacerdotal lhe exigiria (em teoria), um fugido, um herege. Certamente tudo isto se enquadra o espírito das também pouco religiosas Festas Nicolinas, e na saudável boémia dos Estudantes, que buscam no néctar brindado o estro do Filinto!



Frei Clemente de Santa Maria das Dores

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

APRESENTAÇÃO

As Nicolinas são uma das tradições académicas mais antigas de Portugal. Guimarães, Berço da Nacionalidade, é também o Berço das seculares Festas de São Nicolau.

Sendo as origens das Festas bastante antigas, talvez remontem ao século XV, é certo que desde 1664, altura em que os estudantes de Guimarães criaram a Capela de São Nicolau, até aos dias de hoje as Festas de São Nicolau têm marcado a vida e da história desta cidade.

Atravessando séculos de alegrias, de tristezas, de excomunhões, de folguedos e de muitas coisas mais as Festas Nicolinas foram sobrevivendo, mostrando a todos que a Tradição não morre.

É com o intuito de aprofundar o conhecimento sobre as Festas de São Nicolau, de as estudar, de as exaltar e de as debater que surge este blog.