sábado, 1 de novembro de 2008

O Futuro das Nicolinas: O Estatuto Nicolino


... continuação deste artigo.

1. O Estatuto Nicolino

Esta é a vertente que considero fundamental à sobrevivência e à continuidade pujante da festa Nicolina. E é simultaneamente aquela que menos depende dos nicolinos, Novos e Velhos.

É de facto absolutamente incompreensível que o Ministério da Educação ou as suas ramificações desconcentradas como a DREN, não reconheçam um estatuto especial ao estudante que queira pertencer à comissão organizadora. É absolutamente incompreensível que exista uma série infindável de protecções e regimes especiais para tudo o que é membros de tunas, associações académicas, comissões de veteranos e comissões de praxe em todas as faculdades do nosso País e não seja dispensada uma única facilidade ao estudante que queira pertencer à Comissão de Festas Nicolinas.

Só compreensível daquela visão a que nos fomos habituando de que tudo o que não acontece em Lisboa, e às vezes no Porto, por e simplesmente não acontece. Se esta festa fosse em Lisboa, o Presidente da Comissão era uma figura do jet set, entrevistado nos telejornais antes das festas, os nicolinos saíam da Comissão directamente para actores dos “Morangos com Açúcar” e, no aqui releva, haveria toda uma panóplia de instrumentos destinados a proteger as festas e a sua comissão organizadora. Felizmente as coisas não são assim. Felizmente trocamos o jet set e os “Morangos com Açúcar” pelo rojões e papas de sarrabulho, pelos peditórios a pé e à chuva por um concelho muito mais rural do que muitos possam perceber, pelo vinho verde tinto de malga, pelas tradições, pelos lavradores e o seu já habitual desempenho do Pinheiro, enfim, por tudo o que representam as Nicolinas e as distanciam, felizmente, desse outro mundo.

Mas essa circunstância não deveria, nunca, levar a que os nossos estudantes fossem menos compreendidos, menos apoiados, menos auxiliados.

Dou vários exemplos.
Podemos reunir imensas tertúlias e mesas redondas para discutir o porquê do lento definhamento desse fantástico e único número nicolino que é o Pregão. A resposta está obviamente nas escolas. Com a pressão pelos resultados, com a maior competitividade existente nas turmas e nas escolas (embora a competir para tentarem todos tirar 20), não é espectável que os alunos, apenas por amor às Nicolinas, abandonem as aulas, tenham faltas não justificadas, faltem a testes ou aulas de preparação para testes, etc.

E este exemplo vale para o Pregão, que exige a tarde do dia 5/12, como vale para as Maçãzinhas que exige, pelo menos, a manhã (para preparar os carros) e a tarde (para o cortejo) do dia 6/12… já para não falar da noite, preenchida com as Danças de São Nicolau.

Como esperar que os alunos queiram ir às Novenas, àquela hora da madrugada?

Claro que podemos argumentar que no nosso tempo (no meu pelo menos era assim), também havia faltas, também havia testes e também havia Pregão, com mais de 100 caixas e bombos! E nós faltávamos alegremente e em elevadíssimo número para participar… mas perdemos tempo se tentarmos comparar o incomparável. Os tempos eram outros, a juventude pensava de forma diferente, éramos mais colectivistas e menos individualistas, talvez déssemos também menos importância às notas que fossemos ter, enquanto que hoje, a juventude é mais competitiva, mais feroz na perseguição do objectivo “nota”, correm atrás de algo concreto enquanto nós corríamos atrás do dia que se havia de seguir àquele.

Assim sendo, se isto é difícil na perspectiva da mera participação nos números, imagine-se só a dificuldade que não será pertencer à Comissão?

Que, desde finais de Setembro (pouco depois das aulas começarem) até 8/Dezembro, vão às aulas e têm que estudar para os testes e, em simultâneo, calcorrear o concelho em peditórios que se destinam a pagar as festas, acorrer a todos os convites de jantares ou reuniões com instituições, associações, tertúlias e entidades oficiais, participar em reunião diárias da própria comissão para preparar os peditórios do dia seguinte, fazer os balões para o Pinheiro, contratar os lavradores, escolher o Pinheiro, treinar o Pregão e escolher o Pregoeiro, arranjar meninas para as varandas nas Maçãzinhas, arranjar rapazes para participar com carros, combinar as varandas que entregarão a posse, pensar e pintar as piadas para o Pinheiro… enfim, podia ficar aqui mais tempo.

Alguém me explica como pode este rapaz, que é igual aos outros, ao fim de um dia de aulas e de longuíssimas caminhadas a pé pelo concelho em peditórios e que ainda vai ter reunião da comissão no final de jantar, alguém me explica como pode ele estudar, preparar os testes, até namorar…? Não pode, manifestamente, não pode.

Nem é humano exigi-lo. Nem aliás depois podemos pretender que os bons alunos integrem a Comissão. Como podem? Quem tiver como objectivo ser um dos melhores alunos, não pode dar-se ao luxo de desperdiçar 3 meses dum ano lectivo, nos quais não se empenhará totalmente. Claro que tem havido excepções, têm passado pela Comissão alguns bons alunos, como sucedeu com o Jorge Marques que integrou a Comissão por 2 anos, chegando mesmo a ser Presidente em 2003, mantendo-se como sendo um dos melhores da sua escola, mas estas são infelizmente as excepções.

Resulta do preâmbulo do D.L. nº 328/97 de 27/11 que regula a actividade dos dirigentes associativos juvenis, que “urge reconhecer o trabalho dos dirigentes juvenis que com prejuízo da sua vida profissional desempenham uma tarefa de solidariedade para com a comunidade.”. Tendo como pano de fundo esta directiva do legislador, importa constatar que as Festas Nicolinas são uma das festividades académicas mais antigas de que há memória a nível mundial, sendo simultaneamente uma das manifestações com mais tradição na cidade e concelho de Guimarães, o que responsabiliza de sobremaneira aqueles que devem ser os protagonistas máximos destas Festas: os estudantes e as escolas.

A Escola, enquanto elemento activo da comunidade em que se insere, deve pugnar pela defesa intransigente deste património cultural inigualável que são as Festas Nicolinas, promovendo e incentivando a participação activa e empenhada da comunidade escolar nas suas festas académicas, porquanto é no seu seio que nasce o espírito nicolino e o gosto pelas Festas. Importa que as Festas Nicolinas saiam de um mundo próprio e por vezes paralelo ao estudantil e que a comunidade académica abrace e integre estas festas, que são essencialmente suas, nelas se envolvendo de corpo e alma.

A Escola deve ser sensível, em face das crescentes exigências do ensino e do mundo competitivo dos nossos dias, ao facto de os estudantes se apartarem crescentemente das Festas Nicolinas, e sobretudo da sua comissão organizadora, por recearem que as suas perspectivas e o seu percurso escolar possam sair prejudicados. Tal facto configura uma situação intolerável, que potencialmente pode fazer com que venham a integrar a Comissão de Festas Nicolinas apenas os estudantes desprovidos dessas perspectivas, cabendo à Escola, acima de todos, pugnar por impedir que tal ocorra. É para isso decisivo manifestar particular sensibilidade pelo tempo que os estudantes, membros da Comissão de Festas, necessitam despender, tanto no período das festas como nos dois meses que o antecedem, por forma a poderem organizar as Festas Nicolinas que são de toda a comunidade académica vimaranense.

É por isso plenamente justificável que se atribuam aos membros da Comissão de Festas Nicolinas alguns direitos, atendendo a que se trata de um evento específico, que exige um empenhamento e dispêndio de tempo muito significativos por parte dos estudantes, o que deve merecer, por parte da Escola, uma abordagem que considere a especificidade muito particular desta festividade. Tratamento semelhante aliás ao que é dispensado a todas as outras festividades académicas que têm lugar no nosso país. Não visando atribuir quaisquer benefícios aos membros da Comissão de Festas Nicolinas em relação aos seus restantes colegas, mas antes garantir condições de avaliação efectivamente equitativas e justas entre estes e os seus colegas, condições que não permitam que estes elementos, que sacrificam a sua prestação escolar em prol da manutenção de uma tradição académica que é de todos, venham a ser, por esse motivo, prejudicados. Procurando ser-se justo naquela dimensão que é a de tratar igual o que é igual e diferente aquilo que é efectivamente diferente, preocupação aliás manifestada na alínea c) do artigo 123º do Regulamento Interno da Escola Secundária Martins Sarmento.

A bola está agora do lado das escolas.

Tenho conhecimento de que, no Liceu, algo está a tentar ser feito nesse sentido. Foi-me inclusivamente pedido um contributo nesta empreitada que emprestei com todo o prazer e dedicação, precisamente porque acredito firmemente que nesta questão, menos falada, está a resposta para o regresso às Nicolinas da pujança de antigamente, em todos os seus números e não apenas no Pinheiro que em bom rigor é cada vez menos “nicolino” e mais popular.


André Coelho Lima

Um comentário:

Amil disse...

Isto sim é um texto repleto de verdades, queria depois dar os parabéns ao autor e dizer que concordo com as palavras dele.
Em primeiro lugar porque se não são estes dez rapazes a dar o corpo e a alma, o esforço e a vontade de levar as festas até ao fim então é o fim das Nicolinas.
Em segundo lugar porque se as exigências nos dias de hoje são outras, então os benefícios para quem organiza também deveriam ser outros.
E por último, resumindo o texto a uma frase. Devemos lutar pelas Nicolinas pelo que elas sempre foram e são e não pelo que gostaríamos que elas fossem.

Eu vejo as coisas desta forma.