terça-feira, 20 de novembro de 2007

Do colégio da Costa

O Mosteiro da Costa em 1928, fotografia de "O Labor da Grei", editado por Francisco Martins (encontrada no Arquivo da Sociedade Martins Sarmento).

“Os religiosos de S. Jerónimo só passaram a ter estudos regulares dentro da Ordem após a criação, em 1535, do colégio do mosteiro de Penhalonga. Este fora instituído por D. João III, vivendo de rendimentos próprios. A respectiva direcção coube a Frei Diogo de Murça, regressado havia alguns anos de Lovaina, onde se doutorara em Teologia.

Em 1537, o rei decide mudar o colégio para o convento da Costa, para nele poder estudar o infante D. Duarte, seu filho natural, que lá se criava. O salário dos mestres e o mantimento dos alunos passou a ser pago pelas rendas do mosteiro de Refojos, de que era comendatário D. Duarte e administrador o já mencionado Fr. António de Lisboa. Mais tarde, a gestão dos rendimentos passou para o próprio Fr. Diogo de Murça. Numa carta datada de 8 de Novembro de 1542, este prelado dava conta a D. João III do seu entusiasmo, "pois se não pode fazer mais do que é feito, nem cuidei que entre frades de S. Jerónimo, que tão fora estavam de estudar, se pudesse introduzir exercício de letras da maneira que este procede" (A. Brásio, 1983, p. 309). Aliás, logo no primeiro ano em que o colégio esteve instalado na Costa, ele fora visitado por Clenardo que, numa das suas epístolas, diz ter assistido às lições dos mestres, "todos portugueses" e demonstrando ser "bastante desempoeirados no seu assunto" (idem, p. 310).

De acordo com o respectivo currículo, existiram na Costa duas séries de estudos: os preparatórios, constituídos pelas Humanidades e pelas Artes; e os de ensino superior, relacionados com Teologia. No dizer de António Brásio, "o plano de estudos adoptado na Costa deitava de lado… o trívio e o quadrívio e seguia o sistema pedagógico francês e dos Países-Baixos, de começar a vida académica por um período de vida humanística de espírito". É bem conhecido o funcionamento do ano lectivo, assim como o quotidiano dos escolares, mas não cabe aqui descrevê-los. Deve, no entanto, salientar-se que, desde 1539, foram conferidos graus em Artes e Teologia e que, por alvará de 6 de Julho de 1541, D. João III concedeu autorização para que aos estudantes da Costa pudessem ser atribuídos os graus de licenciado, bacharel e doutor em Artes. Estes ficavam equiparados aos da Universidade de Coimbra, considerando-se, assim, recompensados os esforços de Fr. Diogo de Murça e seus mais directos companheiros, como Inácio de Morais, António Caiado, Gaspar Bordalo, Marcos Romeiro, etc. Um relatório do ano seguinte indicava que frequentavam este colégio 70 estudantes de Gramática, 26 de Artes e 14 de Teologia.

Os momentos de euforia depressa se esvaneceram. Destes estudantes, só uma pequena percentagem eram monges, pelo que a rentabilidade para a Ordem era escassa. A morte precoce do infante D. Duarte, em Agosto de 1543, veio agudizar os problemas, pois, deixando a Costa de ser uma escola principesca, mais dificilmente beneficiaria dos favores régios. De facto, D. João III estava cada vez mais interessado em mudar o colégio para Coimbra, onde, segundo as suas palavras, "há estudo geral, e há muitos mestres e doutores em teologia e artes, de que podem aprender os ditos religiosos e grande exercício de letras, o que não podiam ter no dito mosteiro da Costa, tão interamente" (C. Santos, 1980, p. 60). Com a passagem de Fr. Diogo de Murça para Coimbra, em 1544, e a transferência das rendas do convento de Refojos, logo dois anos depois, acelera-se inesperadamente o processo de degradação. Em 1553, por fim, viria a dar-se a incorporação do Colégio de S. Jerónimo na própria Universidade.

A prestigiante passagem dos estudos universitários pelo convento de Santa Marinha da Costa é, ainda hoje, recordada por uma inscrição lapidar, embutida no exterior da capela-mor.”



Manuel Luís Real, "Santa Marinha da Costa: Notícia Histórica",
Boletim da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais N.º 130,
Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, Lisboa, 1985.

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